Fonte: Sócrates - Carta Capital
Torneio curto, a Copa nos exige o máximo de concentração. Sabemos que a derrota faz parte do jogo, mas ela quase nunca se faz presente em nossa consciência
Passamos por algumas situações na vida que provocam um grande vazio no peito, como se nada mais fosse ocorrer depois. Cada uma com seu grau de contrariedade e, por conseqüência, de sensação dolorosa. Como quando aquele grande amor, que acreditamos seja a nossa alma gêmea e que sem ele cremos que não poderemos viver, apaixona-se por outrem e nos abandona. A sensação de perda e de desamparo só não é maior que o ódio que nasce dentro de nós, levando-nos a gestos extremos de contrariedade e irracionalidade, e que só servem para piorar o quadro desesperador. Escondemo-nos na nossa própria impotência e de todos com os quais convivíamos, pois a simples presença deles já nos faz recordar os momentos maravilhosos que passamos ao lado da amada. Pensar no futuro nos parece tão distante quanto a possibilidade de fazermos uma viagem à Lua e o que nos resta é sofrer, sofrer e sofrer. Como se isso nos confortasse definitivamente. Outro trauma intenso é quando perdemos nossos pais. As pessoas que nos colocaram no mundo, que nos ofereceram tudo o que podiam – principalmente amor e carinho – e com as quais nos acostumamos a viver durante boa parte das nossas existências, são como prolongamentos dos nossos seres. Quando partem é como se um pedaço de nós também deixasse de existir. Como não se sentir carente na ausência de quem nos deu o peito para nos alimentar, que nos ofereceu condições para que crescêssemos com saúde e alegria, além de nos orientar e educar para a vida? A saudade que nos invade a cada dificuldade que enfrentamos nos dá bem a noção do quanto eles foram importantes e ainda o são mesmo que distantes. A morte de um filho, então, eu não pretendo tentar avaliar jamais. Deve ser a experiência de uma agressividade e dor que nenhum de nós jamais deveria experimentar. Infelizmente, porém, muitos indivíduos já sentiram na pele esse absurdo do destino. É como se o mundo desmoronasse a seus pés. E cada segundo do resto de suas existências terá a marca dessa ausência. Um sofrimento interminável. Existem algumas outras que são bem menos traumáticas, porém bastante sentidas. Como não ultrapassar a adversidade do vestibular, por exemplo. Quem se prepara intensamente durante um ano inteiro com o objetivo de ingressar em uma boa faculdade não deixa de ficar frustrado quando não o consegue. Perde um ano em sua educação e vê mais distante a sua oportunidade profissional. No esporte também acontecem muitos fatos marcadamente tristes. Uma grave contusão em um momento especial, como às vésperas de uma final de campeonato, é algo a se lamentar por muito tempo. A derrota no jogo final, depois de meses de entrega total na busca desse título, tem o gosto amargo da impotência diante dos fatos. Mas nada se compara à eliminação em uma Copa do Mundo. Antes de qualquer coisa, por ser um sonho para todos que jogam futebol, pois é o ápice para os que escolheram essa profissão. Na Copa, pouco importam as questões econômica e financeira. O que realmente vale é a simples participação na competição – o mesmo vale para os torcedores dos países classificados, exceção feita a poucos, como o Brasil, que sempre nutrem a expectativa de conquistar o título. Como é algo que acontece a cada quatro anos, há toda uma expectativa criada durante longo período. Principalmente para os jogadores de Seleção. A longa preparação e a entrega total na busca da melhor condição de rendimento são processos que só fazem aumentar a ansiedade de quem dela vai participar. Quem possui a certeza de fazer parte de uma equipe em condições de conquistar o título fica louco para que o torneio inicie imediatamente. Na partida de estréia é necessário controlar o nervosismo, pois ele, impreterivelmente, estará presente. Já nos jogos seguintes, o que impera é a emoção e a luta por vitórias. Vencer é quase um orgasmo, mesmo que o adversário não tenha muita tradição ou qualidade. Sendo um torneio curto, a Copa nos exige o máximo de concentração. Durante esse período, a única coisa que nos prende a atenção é a competição. Mesmo sabedores de que a derrota faz parte do jogo, ela quase nunca se faz presente em nossa consciência. Mas, quando ela acontece, é como se todos os nossos planos, nossos sonhos e o futuro desaparecessem repentinamente. Uma falta de perspectiva se estabelece por instantes até que voltemos à realidade. Pelo menos por poucos minutos é como se deixássemos de existir temporariamente por culpa da imensa frustração. Não é fácil ver um sonho ser adiado por, no mínimo, quatro anos.