segunda-feira, junho 19, 2006

Paulicéia andarilha

Viver sem carro em São Paulo pode parecer impossível para quem está acostumado a percorrer a cidade ao volante. Mas o stress do trânsito – e a possibilidade de fazer exercício enquanto se vai ao escritório ou a um cineminha – leva muita gente a adotar os próprios pés como meio de locomoção. Conheça as histórias de paulistanos que têm ou já tiveram carro, mas decidiram trocar a rotina de motorista pela de pedestre (e não se arrependem).

O carro da família De Vitro é usado nos fins de semana, em dias de chuva e nas ocasiões em que Lúcia, a mãe, insiste em ir ao trabalho de salto alto. Ela e o marido, o cabeleireiro Ricardo, são donos de um salão de beleza no Itaim Bibi, localizado a cinco quadras do apartamento em que vivem com os filhos, Isabella e Thomas, que estudam na mesma região. A proximidade da escola, da casa e do trabalho permite que a família consiga se encontrar várias vezes ao longo do dia. "Organizei as coisas assim para que haja mais convívio", diz Ricardo. No que depende dele, todos os programas são a pé, até mesmo compras em supermercados. "De carro, qualquer trajeto acaba rápido", explica. "E o rádio ainda atrapalha a conversa." As caminhadas dos De Vitro devem aumentar, já que eles compraram um apartamento no Brooklin, que será entregue em dois anos. "Fiz as contas e acho que dá para fazer o percurso de 5 quilômetros até o salão em uma hora", aposta Ricardo.

Para a produtora de TV Mariana Zanotto, ser uma sem-carro é um ato político. "Acho um absurdo o número de veículos que se vêem nas ruas com uma única pessoa dentro", diz. "Não quero colaborar com os engarrafamentos e a poluição de São Paulo." Quando cursava a faculdade de rádio e televisão, Mariana pegava carona com os colegas para ir da Vila Madalena à USP. Mas, se tinha tempo, fazia o trajeto a pé. "Caminhar é sempre minha primeira opção", afirma. "É uma ótima terapia e me livra de ir à academia." Três anos depois de deixar a universidade, ela ainda mantém hábitos daquela época. Tenta fazer tudo a pé durante o dia e, para sair à noite, pede carona aos amigos. "Se todo mundo agisse assim, o trânsito em São Paulo seria bem menos complicado."

Todos os dias, no fim do expediente, o administrador de empresas Leonardo Pallotta observava a Marginal engarrafada da janela de seu escritório na Vila Olímpia e pensava: "Pinheiros só é perto no fim de semana". Decidido a não mais enfrentar congestionamentos ao voltar para casa, ele resolveu mudar de apartamento. Há um ano e meio, transferiu-se para um prédio localizado a 800 metros do trabalho, distância que percorre com 960 passadas pelo menos quatro vezes ao dia. "Agora, almoço em casa", conta ele. "E economizo 1 000 reais por mês em gastos com comida, gasolina e taxas de estacionamento." O ganho de tempo – cerca de três horas diárias – animou tanto Pallotta que ele evita ao máximo sair do bairro. Trocou os médicos e o dentista com quem se consultava por profissionais que pode visitar a pé. O próximo passo é vender o carro. "Às vezes, fico semanas sem ligá-lo."

Três quilômetros separam a agência de marketing esportivo na qual a publicitária Flávia Santander trabalha, na Avenida Paulista, de seu apartamento em Perdizes. Pela manhã, Flávia faz dois terços do caminho de metrô. "Não poderia chegar suada", explica. Mas, à noite, percorre o trajeto a pé, ouvindo música. Ou, como ela prefere dizer, relaxando. "De carro, eu fico tensa, irritada com o trânsito e com medo dos ladrões de farol", afirma. "A única vez em que fui assaltada estava ao volante do Gol da minha mãe." A pé desde 1992, quando vendeu um Voyage que dirigiu por dois anos, a publicitária hoje dispensa, sempre que possível, táxi, ônibus e metrô para caminhar. Nos fins de semana, chega a andar 5 quilômetros para ir ao cinema do shopping Iguatemi. "A única coisa chata é usar quase sempre tênis e moletom", reclama. Mas há compensações estéticas: Flávia está em forma.

O caratê privou Daniel Nunes de seu Laika (carro da marca Lada, produzido na Rússia) e de sua moto Hyosung. No fim de 2000, ele abandonou o emprego de gerente-geral do restaurante Spot e vendeu sua pequena frota para dedicar-se em tempo integral ao esporte. "Passei a andar a pé e descobri uma nova São Paulo", conta o carateca, hoje professor. "Há árvores lindas aqui, mas não prestamos atenção nelas quando estamos em um carro." Nunes é conhecido entre os amigos por ser capaz de descrever as calçadas por onde passa em detalhes. "Sei, só de olhar para um piso, se ele é escorregadio quando molhado", garante. Para percorrer distâncias médias, ele usa uma bicicleta. E, se precisa ir muito longe, vai de táxi. "Fica mais barato pegar um táxi de vez em quando do que sustentar um carro."

FONTE: Veja SP