segunda-feira, julho 10, 2006

Cinema vive o drama da sala vazia

Fonte: Valor Econômico

O professor Robert Langdon, o esquilo Scratch e o mutante Wolverine bem que tentaram. Mas nem os personagens de "O Código da Vinci", "A Era do Gelo 2" e "X-Men 3", respectivamente, conseguiram salvar essa trama. De janeiro a maio, o público brasileiro de cinema caiu 1% ante o mesmo período de 2005 - sinal de que a crise que o setor enfrenta há um ano e meio não foi superada. A indústria cinematográfica no país está como num daqueles momentos de um filme em que o espectador fica apreensivo para saber aonde aquela história vai dar. Após quase uma década de crescimento alimentado pela chegada das redes multiplex e pela retomada da produção nacional, o setor vive um impasse. Em 2005, cerca de 90 milhões de pessoas foram ao cinema, volume 22% menor frente ao recorde alcançado em 2004. O faturamento da indústria caiu 16% e ficou em R$ 644,1 milhões segundo a Filme B, empresa que pesquisa o mercado e que prevê receita nesse mesmo patamar em 2006. Os lançamentos hollywoodianos de 2005 não emplacaram. Nem títulos como "Menina de Ouro", que levou o Oscar de melhor filme, "O Aviador" e "Os Incríveis" - também premiados - não conseguiram lotar as salas. Um bom desempenho na principal premiação do cinema já não basta. "Antes todo mundo queria ver os ganhadores Oscar. Agora, a academia tem escolhido filmes que não são unânimes", diz Francisco Pinto, diretor de planejamento da Severiano Ribeiro, maior rede nacional de cinemas. Num exemplo disso, o maior sucesso de bilheteria do ano passado foi "Dois Filhos de Francisco", uma produção nacional que conta a história da dupla sertaneja Zezé di Camargo & Luciano, da Globo Filmes. Mas nem só de bons filmes vive o cinema. "A qualidade dos títulos não tem atraído o público, mas isso não é suficiente para explicar a situação do mercado. Existe um problema estrutural na indústria", avalia Marcelo Bertini, diretor financeiro do Cinemark, rede com o maior número de salas no país. São vários os fatores que ainda restringem o crescimento. A renda dos brasileiros é apenas o mais visível. "Apesar de a renda estar melhorando, o último dinheiro que sobra é o que vai para a diversão", diz Pinto, da Severiano Ribeiro. E, como se não bastasse o fato de o orçamento ser apertado, tecnologias como o celular e a internet passaram a disputar o dinheiro e o tempo das pessoas. Nas últimas semanas, até o fracassado desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo contribuiu para afastar os espectadores das telonas. Para completar, o barateamento dos aparelhos de DVD fez com que muitos brasileiros trocassem o escurinho do cinema por uma visita à locadora. Por menos de R$ 10, aluga-se um filme ao qual toda a família pode assistir, enquanto o preço médio de um único ingresso de cinema era de R$ 7,18 no ano passado, segundo a Filme B. "É um grande desafio. Há 50 anos, o cinema era o único meio audiovisual", diz Jorge Alberto Reis, presidente da Ingresso.com, que vende bilhetes pela internet. Enquanto o cinema encolheu em 2005, as vendas de filmes em DVD subiram 25%, para R$ 550 milhões, segundo a A/C Nielsen. O diretor da Filme B, Paulo Sergio Almeida, observa que nem sempre os interesses de produtores, distribuidores e das redes de cinema são coincidentes e ressalta que o intervalo entre a chegada de um filme às telas e o lançamento em DVD está diminuindo. Prova disso é que "Bubble", do diretor Steven Soderbergh, foi lançado nos cinemas americanos em janeiro e quatro dias depois já estava disponível em DVD. Muitas cadeias de cinema reagiram, boicotando a exibição do título. A pirataria também é um problema e a qualidade das cópias está evoluindo. Até o presidente Lula assistiu a "Dois Filhos de Francisco" numa versão não-oficial. Todos esses dados, entretanto, não significam que a história terá um final trágico. "Há um grande potencial a ser explorado no Brasil pelas redes de cinema", afirma, em relatório, o analista Marcel Moraes, da Bradesco Corretora. Em 2005, cada brasileiro foi 0,5 vez ao cinema - abaixo da média de outros países em desenvolvimento, como a Argentina (0,93) e o México (1,52). Nos Estados Unidos, centro da indústria cinematográfica, o índice chega a 5,5 vezes. Para Moraes, a freqüência dos brasileiros no cinema mais do que dobrará em uma década, chegando a 1,1 vez por ano - o que deixará o mercado ainda distante do patamar visto em outros países, mas numa situação bem melhor do que a atual. Os exibidores têm a expectativa de que a incipiente digitalização dos cinemas ajude a atrair público, como ocorreu quando os multiplex chegaram ao país. "Com a conversão de filmes para o sistema digital, fica mais barato fazer cópias. Até os anunciantes ganham com isso", diz Mário Luiz dos Santos, diretor da Arcoíris, que fechou uma parceria com a Rain para digitalizar suas 96 salas. Bertini, do Cinemark, diz que a rede implantará a projeção digital em algumas salas. Enquanto isso, discute com produtores e distribuidores uma fórmula que permita compartilhar investimentos. Diante de tantas contradições, resta saber se o desfecho desse filme será um naufrágio ao estilo de "Titanic" ou se o cinema reatará sua história de amor com o público, como em "Uma Linda Mulher".